2.12.04

Governabilidade (VII)

Jorge Sampaio pretende que o Parlamento aprove o Orçamento de Estado para 2005. Os partidos da (ainda) coligação querem que o Presidente garanta a promulgação da Lei do Orçamento, para não perderem tempo com uma aprovação inútil. Sem se ter ainda comprometido, o Presidente lá mandou o recado de não haver memória de alguma vez um OE ter sido vetado. É verdade, mas também é verdade que nunca o Parlamento foi dissolvido havendo uma maioria parlamentar disposta a governar.
Qual a razão para este aparentemente contraditório comportamento do Presidente? O Governo não serve mas o Orçamento por ele proposto, afinal, não é mau?
Tem-se dito que Sampaio não que ficar com o ónus de os funcionários públicos e os pensionistas não verem aumentadas as suas retribuições e pensões. O argumento é falso, na medida em que o orçamento que o novo Governo viesse a apresentar poderia prever esse aumento com efeitos retroactivos.
Argumenta-se ainda que, para além dos aumentos salariais, é indiferente a aprovação ou não do OE, já que o orçamento aprovado pode ser ser alterado pelo novo Governo.
Acontece que para aprovar ou alterar um orçamento é preciso fazê-lo passar no Parlmanento. Para isso não é preciso uma maioria, mas é indispensável não ter a maioria do Parlamento contra. E não é seguro que o novo Parlamento venha a assegurar condições para essa aprovação, do que resultaria a sujeição do novo governo a duodécimos de 2004 eventualmente até ao final de 2005. A alternativa não é melhor e seria (pela impossibilidade de aprovar o orçamento rectificativo - imagine-se que a esquerda e a direita conseguem o mesmo número de deputados, com o PS a formar um Governo minoritário e não aparece nenhum Daniel Campelo) obrigar Sócrates (na eventualidade de vencer as eleições) a governar com o Orçamento de Bagão ou então demitir-se. Neste último caso, Sampaio teria de encontrar uma nova solução governativa no quadro do parlamento, já que não poderá mais dissolvê-lo até ao final do seu mandato. Neste cenário, seria pouco provável encontrá-la.
Creio por isso que a não aprovação agora do orçamento seria preferível (independentemente de o mesmo ser "bom" ou "mau", pois não é isso que está em causa; bom ou mau, é, por definição, um orçamento a prazo, cuja execução depende, em larga medida, da concretização das autorizações legislativas que o próprio contém, mas que não poderão ser utilizadas nem por este nem pelo próximo governos).